Tão logo o avião atravessava as nuvens espessas a caminho do pouso, pela janela do bimotor encarei a imagem inédita da neve cobrindo todo o solo da pequena Dodge City, cidade essencialmente pecuária do Kansas (EUA), formando uma paisagem bela e ao mesmo tempo assustadora para um cidadão tropical não tão bem preparado para esse tipo de clima.
Às 12h, quando Mark Gardiner chegava ao aeroporto de Dodge City para me pegar, já não nevava desde as 5h da manhã, mas o quase 1 metro de gelo branco na beirada do asfalto denunciava a forte nevasca da noite anterior.
Eu desembarcara em Dodge City com o objetivo de selecionar alguns touros do tradicional rebanho Angus dos Gardiner, um dos mais renomados e criteriosos selecionadores da raça no mundo. São mais de 90 anos melhorando a raça. Feitos os cumprimentos formais partimos para o trabalho.
Antes de me concentrar nos piquetes dos touros, rumamos ao plantel de vacas. Fiquei mais uma vez perplexo com o nível de padronização das matrizes no tocante a profundidade, musculatura, tamanho, aprumos e úberes, que denunciam a excelente habilidade materna. Além disto, me encantei com o carinho e tratamento dispensado por Mr. Henry Gardiner, pai de Mark e quarta geração da família criando Angus.
Já havia pré-selecionado alguns touros a fim de lançá-los no leilão quando nos dirigimos ao escritório da fazenda para conseguir um catálogo de sêmen dos touros em coleta. Foi aí que confirmei o que já previa: os Gardiner raramente usam genética Angus que não seja produto de seu criatório. De acordo com Mark, gestor do rebanho, essa decisão fora tomada pelo fato de nos últimos anos terem produzido melhores progênies ao usar sêmen de touros próprios que sêmen de touros de outros rebanhos. Ou seja: “o que reparamos é que 90 anos de seleção com objetivos claros e uma população de 2.500 vacas resultaram num rebanho com fenótipo muito homogêneo e transmissível à progênie com alta repetibilidade. Por esse motivo, o Angus dos Gardiner vem sendo amplamente utilizado no mundo todo a fim de produzir animais de boa estrutura e eficiência nos sistemas de confinamento ou suplementação no cocho”.
Outro bom exemplo de que os resultados da seleção bem dirigida às vezes dificultam o uso de genética de fora é o da Estância Agromelu, centenário criatório de Red Angus, administrado por Martin Facundo Lisaso. Como ele nos explicou, é a 3ª geração da família que vem selecionando a raça e quando o mesmo pretende usar genética de fora no rebanho Agromelu, são realizadas transferência de embriões (TE) das suas melhores vacas com o sêmen deste reprodutor de fora e então quando os filhos dessa TE (esses tourinhos ½ sangue genética Agromelu e ½ sangue genética de fora) estão aptos para cobertura, ocorre à escolha dos melhores para teste de progênie no criatório comercial. Como descreve Martin Lisaso: “tenho obtido melhores resultados usando sêmen de meus touros do que quando uso touros de fora, por isso, toda e qualquer genética que não seja Agromelu será usada no meu rebanho sempre com parcimônia e somente após o teste de progênie desses touros no nosso gado comercial.
Dessa forma, nunca insiro mais de 25% de sangue de fora em nosso rebanho, mantendo assim a pureza racial de nosso rebanho Red Angus, sendo talvez nossa marca de sucesso ao gerar alguma heterose positiva quando usada em outros criatórios sem a genética Agromelu”. Já no Brasil encontramos no Nelore, rebanhos que vem criando uma marca fenotípica e merecem destaque. Confirmam a máxima de que a seleção focada nas mesmas características, mantendo um certo grau de homozigose por várias gerações, aumentam as chances de se fazer animais mais padronizados quando do uso desses em outros criatórios.
Bons exemplos do Nelore PO são o Nelore IZ com seleção voltada para ganho em peso, o gado Navirai, como Cláudio Sabino mesmo descreve: “bom para pista, prova ou produção”; o Nelore Irca, contando com 90 anos de seleção voltada a animais de tamanho intermediário e produtivos à campo, bem como a Fazenda Mundo Novo, onde Eduardo Penteado seleciona o famoso gado Lemgruber procurando longevidade, fertilidade e musculatura. Não menos importante, Adir do Carmo Leonel no gado POI, permanecendo atualmente com um rebanho Nelore com foco na precocidade, musculosidade e pureza racial.
São criatórios respeitados como esses que devem seguir selecionando com objetivos claros, presenteando o rebanho nacional com pureza racial, gerando importante heterosigose nos rebanhos comerciais brasileiros.