Apontando para a carcaça pendurada daquele meio-sangue Limousin, o Dr. João Barisson Villares, um dos maiores cientistas da zootecnia moderna, desfiava críticas acerbas em relação à sua fina cobertura de gordura, não sem antes tecer comentários positivos quanto à massa muscular impressionante daquele animal recém-abatido. A cena se passava em 1991, no frigorífico municipal de Uberaba (MG), durante a 2ª Exposição de Cruzamentos. No episódio, eu tive a grande oportunidade de ser um de seus acólitos no julgamento das carcaças nessa exposição.
Na sua pragmática avaliação, o Dr. Barisson Villares enxergava a importância da velocidade do ganho em peso que o cruzamento industrial imprimia, sem obnubilar a fartura dos resultados de campo dessa prática, pois já sabia que, conforme se aumentasse o grau de sangue de europeu nos cruzados, seriam mais exigentes em termos alimentares e cuidados com ambiência, pois perderiam a adaptação ao nosso clima.
Quando a cineasta Maria Inês Villares e o arquiteto João Roberto Villares me receberam na Fazenda Santa Edwiges, no município de Itapetininga (SP), mal podia acreditar que estava pisando numa das fazendas abertas e estruturadas pelo seu pai, o Dr. Barisson Villares, o introdutor e idealizador das provas de ganho em peso em São Paulo, iniciando a 1ª Prova no ano de 1951 no Instituto de Zootecnia de Barretos.
O ditado diz que a fruta não cai longe do pé. Foi uma satisfação muito grande poder passar algumas horas com João Roberto, filho e entusiasta da pecuária moderna e herdeiro da mesma visão futurista do pai, tocar um rebanho de Nelore com carcaças modernas, profundas, com boa musculosidade e bem caracterizado.
Minha visita teve o objetivo de conhecer o rebanho de Nelore LA e PO da fazenda, bem como demonstrar como a genômica pode colaborar para o sistema de seleção de matrizes.
Tão logo chegamos do campo, João já tinha pronto em sua cabeça o modelo de uso concomitante da seleção genômica e da genética clássica que ora vem realizando.
O Dr. Barisson Villares era um pensador de vanguarda. Nos seus primeiros trabalhos via o futuro do País como o maior produtor de alimentos de origem animal do mundo, tanto por suas dimensões geográficas, como das condições de solo e clima. O zebu foi sua maior paixão e motivo dos estudos. No campo da bioclimatologia, levou ao conhecimento dos criadores, técnicos, profissionais e de todos os que habilitam a área da produção animal o conceito do conforto e resposta às condições do meio, tornando, desta forma, o processo de exploração o uma verdadeira indústria de produtos de origem animal.
Foram boas passagens que ouvi de João Roberto e Maria Inês a respeito desse ícone da zootecnia brasileira e mundial. Dentre elas, me detalharam, por exemplo, que os nove filhos foram apelidados de “pangolinhas” pelos funcionários do Parque da Água Branca, onde moravam, pelo fato de o Dr. Barisson Villares trazer da África sementes de Pangola e plantar no jardim de casa. Por ser um novo capim no Brasil, que disseminou com facilidade, os filhos receberam o carinhoso apelido.
João Roberto lembrou também de outro momento de reflexão do pai, no qual, após viagem à Índia para escolha de animais Nelore para o Brasil, num de seus insights mais felizes, disse: “Precisamos, agora, produzir comida para esse gado exótico que chegou”. Esse axioma foi confirmado mais tarde com a introdução da braquiária, adaptando-se muito bem às condições edafoclimáticas do Centro-Norte do País constituindo-se num dos casamentos mais felizes de nossa pecuária.
O professor Dr. João Barisson Villares, Imortal da Academia Brasileira de Medicina-Veterinária, que há 50 anos mantinha reservas florestais nativas próximas às aguadas, foi um homem à frente de seu tempo. Hoje, a linda fazenda Santa Edwiges é exemplo de produção sustentada. O criatório João Roberto Villares e Irmãs Condomínio certamente já colocaram o pé no futuro da seleção por meio do uso da genômica.